O modo de vida rural de antigamente não era molinho não, sei muito bem porque nasci e me criei no interior até meus onze anos, ou seja, até 1947.
Não existia banheiro dentro da casa, o que hoje é um conjunto de chuveiro, pia e vaso sanitário era desmembrado em duas divisões.
A primeira, localizada numa pequena construção ao lado da cozinha, composta de um chuveiro que na verdade não podia se chamar de chuveiro, mas sim uma lata de 20 litros com furinhos em um terço da parte superior que após esquentar a água no fogão de lenha erguíamos com ajuda de uma roldana e depois com uma cordinha inclinávamos a lata propiciando enfim um chuveirinho.
E a segunda, construída a cerca de 50 metros da casa, com um banco de madeira tendo uma abertura de forma arredondada para proporcionar ao usuário fazer de forma mais confortável possível suas exclusões sólidas e liquidas.
Construir essas casinhas, também chamadas de latrinas, era um arte de engenharia e arquitetura que somente profissionais do setor faziam de maneira satisfatória.
Tinha um tio meu que era considerado o maior mestre na arte de construir latrinas.
Meu tio analisava a inclinação do terreno, a posição solar da casinha, os quadrantes ventosos, se passava pelo local algum veio subterrâneo de água, a distância do poço que fornecia água para casa e só então demarcava o local da construção.
A primeira etapa era cavar um fosso em forma de rampa com 4 metros de comprimento para evitar o mau cheiro dentro da casinha, ao final da rampa três fossas de decantação de maneira que a última fossa fornecesse água limpa, ou mais ou menos limpa.
Ato seguinte, cravava quatro postes de eucalipto envelhecido de cerca de dois metros cada para servir de alicerce a construção, as casinhas ficavam bem firmes para evitar tombamento em possíveis ventos mais fortes, e não haveria nada mais humilhante se a latrina tombasse enquanto alguém a estivesse usando.
As casinhas tinham quatro pequenas aberturas bem altas para que os moleques não pudessem espionar as priminhas quando estas visitavam a casa, as aberturas em forma de estrelas serviam para arejar o compartimento.
Pronta a construção, meu tio reunia toda os moradores da casa para avaliar as dimensões das bundas para então fazer o banco com a abertura do tamanho razoável a acolher todas as nádegas dos residentes, fazendo a observação que crianças com até seis anos de idade não poderiam usar a casinha e teriam que fazer uso de urinol dentro da própria moradia.
Ivan Bach
Consultor de investimentos bursáteis
Colaborador da TIC.
Autor e ator amador.
Especialista em chistes.
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